Há pesquisadores que dizem que a obsessão pela felicidade está nos deixando deprimidos. Com as mídias sociais ostentando só sorrisos, viagens a lindos lugares e jantares em famílias harmoniosas, é alimentada uma espécie de obrigação de nadar num mar de alegrias.
Quem estiver sentindo qualquer emoção que não exale total alegria se acha anormal, e vai ter de escolher entre se recolher ao universo dos invisíveis ou fingir, para poder fazer parte desse mundo que não sabe acolher silêncios nem, muito menos, as dores da alma.
Nesse sentido, o desejo de felicidade pode se tornar uma armadilha, assim como botá-la no topo de nossas metas pode ser um convite permanente à frustração. Na sociedade do espetáculo em que vivemos, não são poucos os que se tornaram materiais de propaganda de si mesmos, divulgando personagens para atender ao apelo da felicidade como um verdadeiro atestado de competência: se fizermos tudo certo, seremos felizes — mesmo que só no final.
Mas, e se pensarmos no enquanto? Enquanto não tenho o que almejo (e sempre teremos algo a almejar), enquanto lido no aqui e agora com tudo o que me desafia, desagrada, falta ou machuca — esse enquanto que é a maior parte do tempo —, como viver da melhor forma possível?
Sejamos realistas: a vida não é um negócio fácil, “não é para amadores”, como dizem. Há horas em que a barra pesa, e pesa muito. No resto do tempo ela nos dá trabalho e, de vez em quando, a felicidade nos visita. Não me entendam mal, não sou contra a felicidade. desejo a todos nós que, quando ela nos der o ar de sua graça, estejamos suficientemente abertos e receptivos para brindá-la e sorvê-la, de corpo e alma. Nesses momentos, acredito piamente ser possível praticá-la, nos abrindo para, de fato, viver o tal instante. Nessas horas, quanto mais presença no corpo, melhor.
Pode ser um pequeno gesto que nos faça nos sentir felizes, uma palavra, uma resposta aguardada, um sonho realizado, uma fruta no quintal de casa, um carinho na orelha do nosso cachorro, o respirar da pessoa que amamos enquanto ela dorme, a mãozinha do bebê apoiada em nosso seio quando ele mama; pode ser um entardecer desfrutado em total solidão, dois quadrados de chocolate amargo depois do jantar, o sorriso de um desconhecido na calçada a caminho do trabalho, a risada barulhenta de uma criança em quem alguém faz cócegas, a ponta do pé na água fresca da cachoeira, o barulho da chuva, o sol esquentando a pele enquanto esperamos o farol abrir.
Estar disponível para a visita dessa tal felicidade pode ser um exercício, o que demanda um estado de presença em si mesmo e a aceitação dos lados imperfeitos da vida.
O que mais desejo hoje é isto: pedir licença para uma felicidade que não precisa ser tão feliz. Abrir espaço para a felicidade imperfeita, incompleta, passageira, que muitas vezes pode ser silenciosa e até mesmo invisível a olhos desavisados. licença para as felicidades sinceramente compartilhadas, mas também para aquelas que possam ser íntimas e particulares.
Uma felicidade que inclua tudo, podendo existir apesar de tudo o que nos assusta ou entristece.
E, quem sabe, sendo imperfeita e impermanente, a felicidade deixe de ser algo tão postergado, inacessível ou frustrante, e possamos descobrir — de dentro para fora — que ela pode ser real a qualquer ser humano deste planeta, até aqueles mais desprovidos de qualquer forma de sorte.
E, em vez de vivermos buscando ser felizes, quem sabe possamos apenas viver. Viver presentes, atentos, disponíveis, gentis e agradecidos.
(*) Andréa Perdigão é autora do livro O Dentro e o Fora – Conversas sobre Corpo e Felicidade (Editora Patuá), à venda pela Amazon e é a convidada do episódio Fazer Silêncio e Relaxar, do podcast jornada da Calma.
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