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Foto do escritorMartello Contabilidade

Quanto tempo o Brasil tem até que o envelhecimento da população dificulte o crescimento econômico


Imagine uma casa onde vive uma família formada por pai, mãe e cinco filhos. Com o decorrer dos anos, os pais se aposentam. As crianças, já adultas, trabalham. Mas só uma delas decide ter filhos. Ou seja, se no passado duas pessoas sustentavam cinco, o quadro se inverteu: agora, cinco (filhos) sustentam três pessoas: os dois avós e o neto.

Com mais pessoas trabalhando e menos dependentes, a situação financeira da família melhora consideravelmente.

É mais ou menos como nessa analogia que funciona o chamado “bônus demográfico”, termo usado por acadêmicos e estudiosos para definir o período mais favorável da estrutura etária de um país para o crescimento econômico. Nesse período, a proporção de jovens que trabalham e contribuem para a Previdência é maior que a de inativos que usufruem dos benefícios como a aposentadoria.

Basicamente, o bônus demográfico ocorre quando a população em idade ativa para o trabalho (de 15 a 64 anos) passa a crescer num ritmo mais acelerado do que a população total (que inclui crianças e idosos).

Esse impacto demográfico gerado pela combinação da queda na fecundidade (menos crianças nascendo) e do aumento do número de pessoas ingressando no mercado de trabalho tende a fazer a economia de um país prosperar.

Foi o que aconteceu com o Brasil – e com outros países da América Latina – nas últimas décadas.

Especialistas dizem que os países precisam aproveitar esse “empurrão” decorrente da mudança da estrutura etária da população para alavancar sua condição socioeconômica.


Bônus demográfico é oportunidade para dar um salto no desenvolvimento

Em outras palavras: ficar “rico” antes de “velho”.

“O bônus demográfico é o momento ideal para um país dar um salto no desenvolvimento humano e na qualidade de vida da população”, diz à BBC News Brasil José Eustáquio Diniz, professor do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/IBGE).

“Todos os países que atingiram um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) acima de 0,900 passaram pela transição demográfica e aproveitaram adequadamente essa janela de oportunidade. Não há exceção, pois todo país rico em qualidade de vida de sua população passou e aproveitou o bônus demográfico”.

“Não existe exemplo de país que tenha desperdiçado o bônus demográfico e tenha avançado para o bloco de cima do IDH”, conclui Diniz.

Sendo assim, quanto tempo o Brasil e outros países latino-americanos ainda têm?

No caso brasileiro, a resposta não é muito alentadora, estimam demógrafos.

Segundo as últimas projeções da população do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), essa janela de oportunidade vai se fechar no fim deste ano, cinco mais cedo do que o previsto. Na projeção anterior, divulgada em 2013, o bônus demográfico terminaria apenas em 2023.

Isso marca o começo da trajetória de aumento do grau de dependência econômica de quem gera renda.

Em 2010, por exemplo, havia 47,1 pessoas na faixa etária de dependência para cada 100 que estavam em idade economicamente ativa. Em 2017, essa proporção caiu para 43,9, o menor índice já registrado. No entanto, segundo o IBGE, a partir do ano que vem, o indicador vai subir para 44 – o primeiro de uma sequência de 42 anos projetados de crescimento.

Em 2060, por exemplo, deve chegar a 67,2 (67,2 pessoas dependendo de 100 trabalhando), quando os idosos vão formar 25,5% da população brasileira, ou 58,2 milhões de pessoas. Atualmente, essa taxa é de 9,2% (19,2 milhões).

Diferentemente do Brasil, outros países da América Latina têm mais tempo para aproveitar os benefícios do bônus demográfico.

Na Argentina, por exemplo, essa janela de oportunidades só deve se fechar em 2038, enquanto no México, em 2033, segundo dados da divisão de população da ONU.


Brasil poderia ter aproveitado melhor o bônus demográfico?

Como lembrou o professor de pós-graduação em economia da FGV-RJ Samuel Pessôa em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo, “no período do bônus demográfico, é possível o produto per capita crescer mesmo que o produto por trabalhador, a produtividade, não se expanda. Basta que a população que trabalha cresça mais rapidamente do que a população total”.

De fato, os dados mostram que, entre 1982 e 2016, o produto per capita do Brasil cresceu 1% ao ano, enquanto a produtividade do trabalho registrou uma expansão anual de apenas 0,5%, acrescenta Pessôa.

“Não é que o Brasil não tenha aproveitado o bônus, mas poderíamos tê-lo aproveitado melhor”, diz Cássio Turra, professor do Departamento de Demografia da UFMG.

Em entrevista à BBC News Brasil, Ronald Lee, professor emérito de Demografia da Universidade da Califórnia em Berkeley, calculou que, em seu pico, o bônus demográfico acrescentou 0,55% por ano ao crescimento do produto per capita no Brasil. Ele descreve essa janela de oportunidades como um “vento de cauda”.

“É uma ajuda, mas não é necessário ou suficiente para o crescimento econômico. No caso brasileiro, desde 1950, o bônus elevou o crescimento do produto per capita em 33% cumulativamente. Claro que ajudou, mas muitos outros fatores são mais importantes”, explica.

Diniz, do IBGE, concorda. Ele acrescenta que “o bônus demográfico só se torna efetivo e real se a estrutura etária favorável for capitalizada pela dinâmica socioeconômica através da melhora das condições de saúde, educação e mercado de trabalho”.

“O problema é que isso não vem ocorrendo no Brasil. As condições estão precárias, pois houve a difusão de doenças transmissíveis como Dengue, Chikungunya, Zika, febre amarela, sarampo, etc. Além disso, a mortalidade infantil e a mortalidade materna aumentaram. A educação brasileira cresceu em quantidade, mas não suficientemente em qualidade. Dessa forma, as más condições de saúde e educação significam uma população com menores níveis de produtividade”, acrescenta.

O maior desafio, contudo, vem acontecendo no mercado de trabalho, diz Diniz. “O Brasil vive a mais longa e profunda recessão de sua história e isso tem reduzido as oportunidades de emprego. Significa que o bônus demográfico está sendo jogado na lata de lixo da história”, acrescenta.

Segundo dados do IBGE, no 2º trimestre de 2014, a população brasileira era de 202 milhões de habitantes. Naquele momento, o número de pessoas que estavam ocupadas no mercado de trabalho era de 92,1 milhões e o número de pessoas não-ocupadas era de 109,9 milhões.

Quatro anos depois, o quadro piorou bastante. No 2º trimestre deste ano, a população brasileira chegou a 208,4 milhões de habitantes (alta de 3,2% no período). Já a população ocupada caiu para 91,2 milhões (queda de 1% no período) e a população não-ocupada passou para 117,2 milhões (alta de 6,6% no período).

Ou seja, em 2018, menos pessoas (91,2 milhões) passaram a sustentar mais gente (208,4 milhões).

Para Diniz, o bônus demográfico não se fechou completamente no Brasil, mas “começou a se fechar”. Segundo ele, essa janela de oportunidades chegará ao fim apenas em 2035 (ante a 2041), pois considera o período em que a razão de dependência é inferior a 50%, ideia que não é consenso entre especialistas.

Comparação internacional

Diferentemente do leste da Ásia (“que registrou um bônus demográfico muito forte e o aproveitou bem”) ou o Sudeste asiático (“que ainda está passando pelo bônus demográfico”), a América Latina teve um “pano de fundo demográfico atípico”, explica Lee.

“Em muitos países da América Latina, a fecundidade começou a cair de níveis altos por volta de 1900 (como na Europa), e então se estabilizou na metade do século. Na Ásia, por outro lado, a queda na fecundidade só começou nos anos 60 ou 70”, afirma.

“Isso significa que alguns dos benefícios potenciais do bônus nesses países já haviam ocorrido no século 20. Isso não se aplica ao México ou ao Brasil, mas foi que aconteceu no Uruguai e no Chile, por exemplo”, acrescenta.

Segundo Lee, a Costa Rica é um exemplo de país latino-americano que aproveitou o bônus demográfico em sua totalidade. “O país investiu bastante ou pelo menos inteligentemente em educação e saúde”, diz.

Existe uma luz no fim do túnel?

Isso quer dizer que, com o fim do bônus, ficaremos para sempre estagnados no mesmo nível socioeconômico?

Nem tudo está perdido. Embora o fechamento dessa janela de oportunidades prenuncie um período de maiores dificuldades, já que a dependência cresce por causa da população idosa, há luz no fim do túnel. Sem a ajuda da demografia, o Brasil precisa elevar sua produtividade se quiser chegar ao patamar dos países ricos.

“Para isso, vamos precisar melhorar a qualidade de nossa educação e estimular o emprego de novas tecnologias. Além, claro, de implementarmos reformas que aumentem a eficiência da alocação dos fatores de produção”, assinala Pêssoa.

Turra, da UFMG, lembra ainda que há dois elementos que podem ajudar a contrabalançar o fim do bônus demográfico: o bônus de gênero (a crescente participação feminina no mercado de trabalho) e a permanência dos idosos na população ocupada – ora adiando a aposentadoria ora voltando a trabalhar depois de se aposentarem.

“As mulheres estão aumentando cada vez mais sua participação no mercado de trabalho no Brasil. Além disso, os idosos já não param mais de trabalhar aos 64 anos (idade limite da população ocupada)”, explica.

No entanto, Diniz faz um alerta: “O tempo para colher os últimos frutos do bônus demográfico está se estreitando, assim como a chance de o Brasil se tornar o país do futuro”.

“Se o Brasil perder esta oportunidade histórica, perderá também a chance de pular para o bloco de cima dos países com alto IDH. Se isto ocorrer, ficaremos eternamente preso à “armadilha da renda média”, pois nenhuma nação conseguiu enriquecer depois de envelhecer”, conclui.

Luis BarruchoDa BBC News Brasil em Londres.

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